Otacílio foi vigia no IMES por 2 anos, na década de 1970. Depois tornou-se escriturário e, dois anos depois, chefe da secretaria. Posteriormente, atuou na Fundação Santo André como Secretário da Fac. de Filosofia C. e Letras por 9 anos e, após, como superintendente por um período de 4 anos. Em 1998, retorna ao IMES como professor de Introdução ao Estudo do Direito e Direito Civil. |
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Depoimento de OTACÍLIO PEDRO DE MACEDO, 55 anos.
Universidade Municipal de São Caetano do Sul, 05 de julho de 2005.
Núcleo de Pesquisas Memórias do ABC
Entrevistadores: Vilma Lemos, Priscila F. Perazzo e Eduardo Chaves.
Transcritores: Meyri Pincerato, Marisa Pincerato e Márcio Pincerato.
Pergunta: Por favor, comece falando a data e o local de seu nascimento e conte um pouco sobre sua infância.
Resposta:
Nasci em 14 de fevereiro de 1950, no distrito do Município de Altinho, Estado de Pernambuco, e permaneci nesse distrito desde o meu nascimento até meus 8 anos de idade. Aos 8 anos de idade, isso portanto em 1958, minha família, meus pais, nós mudamos para uma cidade de nome Cachoeirinha, no Estado de Pernambuco. Nesse distrito eu tive uma vida de criança até os 8 anos e a partir dos 8 anos, nessa cidade Cachoeirinha, que efetivamente eu comecei a perceber um pouco mais da minha vida. No decorrer desses momentos, que assinalaram a nossa vinda para a cidade, eu adquiri uma nova forma de vida, onde passei a viver numa cidade, ainda que pequena, mas um local muito diferente. A minha infância não foi vivida da melhor forma possível enquanto criança, mesmo porque eu tive de trabalhar a partir dos 8 anos. Nessa época não se respeitava a questão do trabalho do menor. De uma forma ou de outra tive meus momentos de infância, já convivendo com as minhas atividades escolares, uma vez que a partir dos 9 anos nós ingressamos na escola e iniciamos nossos estudos.
Pergunta: Antes desse período, o que seus pais faziam, como era a sua família?
Resposta:
Nós somos 9 filhos. Meu pai era um agricultor, vivia da agricultura e desenvolvia pequenas atividades na pecuária. Eu sou o mais novo dos 9 irmãos e estamos todos vivos ainda, mas nossos pais já faleceram.
Pergunta: Essa atividade era numa área da sua família ou vocês trabalhavam para alguém?
Resposta:
Era propriedade da família. Meu pai era um pequeno, diria um pequeno sitiante, mas eram propriedades nossas.
Pergunta: E depois dos 8 anos, quando você entrou na escola, como era?
Resposta:
Foi na cidade de Cachoeirinha. A partir daí meu pai começou a desenvolver duas atividades, uma atividade no comércio, na cidade, através de uma banca de feira. Na verdade era uma espécie de bar, onde ele vendia bebidas, doces, refrigerantes, ao mesmo tempo em que desenvolvia, simultaneamente, a mesma atividade no sítio, porque quando nós mudamos para a cidade ele não vendeu a propriedade rural. Ele continuou desenvolvendo essas duas atividades.
Pergunta: E como foi que você acabou vindo para São Paulo?
Resposta:
Eu vim para São Paulo no ano de 1969, no mês de março.
Pergunta: Por quê?
Resposta:
Na verdade, por uma necessidade. O sítio onde nós morávamos não oferecia as mínimas condições de sobrevivência, principalmente na questão escolar. Então, a mudança para a cidade foi como um meio de sobrevivência, procurando sempre melhores oportunidades, o que não existia permanecendo no sítio.
Pergunta: Por que você veio para São Caetano?
Resposta:
A minha vinda para São Caetano foi orientada pelo fato de eu já ter duas irmãs, que havia casado lá em Cachoeirinha e haviam se mudado para São Caetano do Sul. Então, a minha vinda foi orientada pelo fato de elas morarem aqui em São Caetano.
Pergunta: E por que elas teriam vindo para São Caetano? Tem alguma coisa a ver com oportunidade de emprego, ou uma moradia mais central?
Resposta:
Elas vieram para São Caetano porque antes delas já haviam cunhados que moravam e que já haviam saído de lá da cidade e vindo para cá. Então eles foram se agregando. Onde tem um parente, vai morando outro parente, mais um parente, e aquilo termina virando um núcleo de pessoas vindas do mesmo lugar.
Pergunta: Em 1969, você tinha 19 anos e veio estudar o quê?
Resposta:
Comecei fazendo um curso básico de matemática no colégio Bartolomeu Bueno da Silva, aqui de São Caetano do Sul. Era um curso que preparava o aluno para o ingresso no Senai. Era um curso básico, principalmente voltado para matemática. Depois fiz o curso de eletricidade no Senai e quando terminei esse curso eu desenvolvi a minha vida estudantil, fazendo o primeiro e o segundo graus.
Pergunta: Esses estudos foram onde?
Resposta:
Fiz o curso de primeiro grau no colégio Maria Truvino Torlone, que fica situado na Estrada das Lágrimas, em São Caetano, depois fiz o segundo grau no Colégio Salete, em São Bernardo do Campo, depois fiz o curso de direito na Universidade Brás Cubas, na época não era universidade ainda, era Faculdade Brás Cubas, depois fiz o curso de pedagogia na cidade de Ribeirão Pires, depois fiz um curso de metodologia de ensino superior, um curso de pós-graduação lato sensu, na Fundação Santo André, depois fiz o curso de mestrado na PUC, na área de direito civil e atualmente estou na fase de elaboração da tese de doutorado, também na PUC e também na área de direito civil comparado.
Pergunta: Nesse período que você fez seus primeiros cursos, quando você veio para cá você foi morar em que lugar de São Caetano? Como era e você trabalhava com quê?
Resposta:
A partir da minha vinda, eu vim morar com a minha irmã, na casa dela aqui na Rua Princesa Isabel, em São Caetano, na Vila São José. Eu trabalhei em algumas empresas, por um curto período, mesmo porque eu estava em constante observação de mim mesmo, então eu entrava na empresa e passava a observar as expectativas e quando eu percebia que não tinha muito futuro, eu não demorava, eu sempre estava procurando oportunidades melhores. Eu trabalhei na Saad, uma empresa antiga de São Caetano, e trabalhei poucos dias numa fábrica de garrafas. A gente derretia o vidro, tirava a sujeira do vidro, industrializava a fabricação de garrafas. Demorei poucos dias nessas empresas. Depois fui trabalhar na Cadin Aços Finos, uma empresa de fundição aqui em São Caetano, também por poucos dias. Depois fui trabalhar como cobrador de ônibus na Viação São João Clímaco, onde fiquei apenas um mês. Trabalhei em seguida em uma metalúrgica na Via Anchieta, a Molas Skripilitch, que depois passou a chamar-se Reich-Skripilitch. Depois de seis meses vim trabalhar no IMES. Na verdade eu tenho dois períodos no IMES, um período não institucional e outro institucional. É que eu comecei no IMES no mês de dezembro de 1969, mas só fui efetivado, numa linguagem mais clara, só fui registrado, no mês de março. No mês de março entrei aqui como vigia, como guarda do IMES e fiquei durante uns três anos, depois dois anos como encarregado dos vigias, depois como escriturário e nos meus últimos três anos aqui no IMES trabalhei como encarregado da secretaria. Então, a minha vida no IMES, a minha primeira vida no IMES foi do período de março de 1970 a março de 1980.
Pergunta: Antes da sua primeira vida no IMES, duas coisas, você contou para a Danielle que veio num caminhão. Dá para contar a sua viagem?
Resposta:
O fato de o meu pai ser um simples agricultor ajudava para que os nossos recursos fossem poucos, e eu não tinha condições de vir para São Paulo, nem meu pai tinha condições de financiar a minha vinda. E havia na cidade um vereador, uma pessoa amiga minha, para quem eu havia trabalhado na mercearia do irmão dele, que era o prefeito da cidade, e ele tinha um caminhão que transportava cargas para São Paulo. Ele me convidou, de um dia para o outro, falando assim: Otacílio, eu estou indo amanhã para São Paulo e se você quiser eu te levo. E eu já estava, mais ou menos, com a minha vinda acertada para São Paulo. Então eu vim com ele. Nós saímos da cidade de Cachoeirinha e fomos até Arapiraca, no Estado de Alagoas, e lá ele pegou uma carga de coco aqui para São Paulo. Por isso que digo até hoje para meus alunos que vim em cima de um caminhão de coco, porque literalmente foi isso que aconteceu. Eu vim em cima, na carroceria de um caminhão de coco.
Pergunta: E você, chegando aqui, sentiu muito frio?
Resposta:
Esse foi o primeiro impacto sentido, porque era um período, as estações aqui são diferentes de lá. Lá nós temos duas estações, a chuva e o sol. Aqui a gente enfrenta outras estações. Apesar de estarmos no mesmo Brasil, lá tem algumas coisas diferentes.
Pergunta: E você contou sobre essas várias empresas. Era fácil arrumar emprego?
Resposta:
Não era tão difícil quanto hoje, mas não era tão fácil. Eu tive muitas tentativas para entrar na Mercedes-Benz, porque lá trabalhava um cunhado meu, e lá eu ia trabalhar como servente, não era servente, era faxineiro, de pegar a vassoura e o rodo e limpar sanitários. Eu me recordo que o chefe do departamento de recursos humanos um dia me chamou à parte e me foi muito claro, ele me conscientizou que eu era uma pessoa nova ainda e que para mim não era interessante ser admitido naquela condição de faxineiro. Isso eu percebo até hoje que foi uma contribuição. Mas não era fácil.
Pergunta: E o registro em carteira, era comum começar a trabalhar e já ter registro?
Resposta:
Não era. O que aconteceu é que o IMES era, como é até hoje, uma autarquia municipal, e havia alguns obstáculos para o ingresso na instituição. O IMES estava instituindo esse serviço de segurança e não era tão fácil a instituição desse serviço, mesmo porque havia a Guarda Municipal. Então, havia um entendimento um pouco mais sólido da questão de uma autarquia manter uma guarda e por isso que fiquei nesse período de dá certo, não dá certo, é possível, não é possível. Na época havia a necessidade de nós nos inscrevermos no Departamento de Investigações Criminais, porque na época a guarda aqui usava armas de fogo. Houve um período até se normalizar as questões.
Pergunta: Você chegou a ir à escola lá em Pernambuco?
Resposta:
Eu fui alfabetizado lá. No período em que eu morava no sítio, meu pai foi o desbravador da alfabetização na região. Depois o meu pai passou para uma das minhas irmãs e eu fui alfabetizado ainda dentro da casa do meu pai.
Pergunta: Por ele?
Resposta:
Por ele inicialmente, mas logo em seguida por uma das minhas irmãs, que mora aqui em São Bernardo.
Pergunta: As outras crianças vinham para estudar? Era uma escola?
Resposta:
Vinham. Era uma sala de aula, com direito a palmatórias, etc., porque meu pai era muito rígido. Aliás, estive na semana passada num sítio que nós temos em Bragança, com dois irmãos meus que vieram de lá e a gente estava relembrando tudo isso. Eu até falei para eles da palmatória, porque meu pai atribuía o dever de casa, e o aluno que não fizesse, a pena era seis ou doze palmadas de palmatória nas mãos. Ficava inclusive vermelho.
Pergunta: Você se considerava um menino mais levado e que merecia a palmatória?
Resposta:
Eu não me recordo de um dia ter levado. Eu sempre procurava cumprir o dever direitinho. Mas foi um período muito curto. Efetivamente, a minha alfabetização foi a partir da estada na cidade. Lá as lições foram muito preliminares.
Pergunta: E você fez na escola até a quarta série?
Resposta:
Fiz até a primeira série ginasial.
Pergunta: Fez exame de admissão?
Resposta:
Eu fiz o exame de admissão a partir do mês de novembro. De outubro até dezembro eu terminei, simultaneamente, a quarta série e o exame de admissão.
Pergunta: Vocês tinham na sua família livros, vocês liam?
Resposta:
Quase não existia. O material que existia era do governo, mas muito pouca coisa era lida.
Pergunta: Vamos para o período a partir de 1970. Você trabalhava e estudava?
Resposta:
Sim.
Pergunta: E como você administrava?
Resposta:
Eu trabalhava aqui no IMES no período da tarde e estudava pela manhã. Sempre estudei pela manhã, tanto no primeiro grau, o segundo grau e também o curso de direito, todos foram feitos na parte da manhã, porque eu começava a trabalhar aqui a uma e quinze da tarde e ia até as vinte e três horas.
Pergunta: E como era o IMES nessa época? Era um trabalho que precisava ser organizado, porque você disse que estava começando. (Inaudível)
Resposta:
Era Faculdade Municipal de Ciências Econômicas, Políticas e Sociais de São Caetano do Sul. Na verdade era o curso de administração, o curso de economia e o curso de ciências políticas e sociais.
Pergunta: A ESAN ainda estava aqui quando você começou?
Resposta:
Não. Já era o IMES mesmo que existia.
Pergunta: E como era a estrutura, como era a relação com os alunos?
Resposta:
Nós vivíamos na época sob a égide da ditadura militar, então o comportamento dos alunos era muito tênue entre a vida acadêmica, os movimentos eram muito poucos e muito tímidos, mas era perceptível que havia aquela vontade reprimida, mas manifestações eram poucas. Era o relacionamento de uma escola mais interiorana, diferente dos dias de hoje. Eram movimentos quase que inexistentes, mas já se percebia uma vontade de manifestações por parte dos alunos.
Pergunta: E que tipo de pessoas estudavam aqui nesse período, a faixa etária, a profissão, quem era o público alvo?
Resposta:
Era um público que já estava bem situado na vida profissional. Eram pessoas que trabalhavam em bancos e empresas. Na verdade, a faixa etária era um pouco alta. Não se tinha alunos de 19 ou 20 anos. Era muito difícil ver pessoas de idade mais baixa. Já eram pessoas que estavam bem situadas no mercado de trabalho, gerentes, diretores de empresas.
Pergunta: Havia muitos funcionários da GM aqui?
Resposta:
Havia sim. Na verdade, isso se destacava diante de outras situações, mesmo porque a GM concedia um incentivo às pessoas que estudavam. Eu fiz muitos históricos escolares dos alunos e a GM pagava uma bolsa de estudos para o aluno que fosse aprovado com média, ou seja, fizesse a primeira prova parcial, a segunda prova parcial e a prova de aproveitamento e não se submetesse ao exame final. Esses alunos recebiam uma bolsa de estudos da GM e havia um grande número de alunos da GM aqui no IMES.
Pergunta: E os funcionários de outras indústrias também estudavam aqui?
Resposta:
Sim, mas não dava quase para se perceber. O que se tinha mais, talvez pelo volume, o que se destacava mais, era o pessoal vindo da GM.
Pergunta: Fora esses alunos que recebiam esse incentivo, dá para pensar por que eles vinham estudar aqui, será que era porque era perto de onde eles trabalhavam?
Resposta:
À época não se cogitava muito a questão de a escola ter um bom nível ou não. À época prevalecia mais uma moda de se fazer um curso acadêmico. Hoje os alunos fazem por uma necessidade, mas à época era um pouco diferente. Era mais para ele falar que estava fazendo uma faculdade do que eu preciso fazer uma faculdade. Era um pouco diferente de hoje.
Pergunta: Como dói essa sua passagem de vigia para escriturário? (Inaudível)
Resposta:
Desde o tempo em que saí do sítio para a cidade, nasceu em mim uma vontade na linguagem popular de crescer. Daí eu percebi, inclusive falei para meu pai que não dava para permanecer na agricultura, porque não valia, não tinha futuro. A partir dali essa coisa gerou em mim uma necessidade de crescimento no sentido estudantil. Antes de passar para escriturário, me foi oferecida uma oportunidade de dirigir o carro do IMES. Na época o diretor era Oscar Garbelotto. Ele quis me dar uma oportunidade, porque o IMES havia adquirido um veículo novo e no dia anterior o professor Oscar me convidou, isso já em 1973. Eu havia me habilitado recentemente, tirado a carta de motorista, e ele quis me dar uma oportunidade. Mas eu pensei um pouco lá na frente, que talvez sendo motorista, não pudesse alcançar outros degraus. O professor Oscar me noticiou isso na parte da tarde e eu pedi para ele esperar até à noite, porque eu ia pensar. Ele deu o ok para que eu pensasse e desse a resposta para ele, porque se eu aceitasse, no outro dia ia fazer um teste na cidade com o chefe da garagem, na época o Sr. Mariano. E às vinte e duas horas eu fui até o gabinete do professor Oscar e agradeci aquela oportunidade, mas eu não iria aceitar porque tinha a intenção de continuar com meus estudos. Eu continuei como vigia, mas logo em seguida eu passei a trabalhar como escriturário. Na verdade, a minha passagem a escriturário foi porque eu sempre fui curioso. À medida que eu ficava controlando a entrada dos alunos para serem atendidos na secretaria, eu ia me inteirando sobre aquelas coisas, tanto que muitas vezes o aluno nem precisava obter a informação lá da secretaria, porque eu já detinha as informações. E o pessoal do IMES sabia que eu detinha com segurança e eles não me impediam de fazer isso, porque realmente a informação que o aluno ia receber lá na secretaria, eu detinha aqui e passava para ele, de certa forma até contribuindo para o desenvolvimento do serviço. E o pessoal, vendo isso, me deu essa oportunidade. Essas oportunidades começaram a surgir com o professor Oscar Garbelotto, a quem devo essa homenagem e esse reconhecimento, que se sucederam com os outros diretores, com o professor Cláudio João Dallanese, que também foi uma pessoa que me ajudou, e até vendo meu crescimento, ele que me indicou para eu ir para a Fundação Santo André, onde, na oportunidade, estava vago o cargo de secretário da faculdade de filosofia e o professor Cláudio também dava aula lá e me indicou.
Pergunta: Quanto tempo o senhor ficou lá?
Resposta:
Fiquei treze anos.
Pergunta: Quando foi isso?
Resposta:
Foi em março de 1980. Eu fiquei a década inteira. Eu fiquei no IMES de março de 1970 a março de 1980 e na Fundação fiquei de março de 1980 a março de 1993. À medida que saí daqui, automaticamente já ingressei lá. Não é que estava simultaneamente nas duas instituições, mas em março saí daqui e entrei lá em março.
Pergunta: Você saiu do IMES para uma progressão profissional?
Resposta:
Sim, mas também orientado por uma outra questão. Percebi que as portas no IMES estariam se fechando. A minha saída foi orientada por isso, me parece que para o meu projeto aqui não dá mais, então vou ter de sair.
Pergunta: Lá na Fundação, como era seu trabalho?
Resposta:
Na Fundação tive uma experiência totalmente diferente. O IMES é uma instituição fechada, onde não havia essas liberdades acadêmicas, o movimento estudantil era muito tímido, até porque, inegavelmente, havia, não vou dizer opressão, mas havia um controle. Era uma instituição um tanto quanto pequena, a tradição dela veio de uma tradição mais fechada e eu passei a ter uma nova experiência, totalmente diferente daqui do IMES. Enquanto aqui no IMES o funcionário Otacílio falava, ordenava, e era assim mesmo, lá na Fundação era diferente. Eu me recordo de uma oportunidade, havia o professor Mário de Campos Pereira, professor de planejamento no curso de ciências sociais, e que também era professor na Fundação Santo André. Eu, chegando lá, procurei praticar os mesmos hábitos de gerenciamento, tentar conter os movimentos de alunos, o que não foi possível. Nesse sentido, um dia o professor Mário de Campos chegou na minha sala e disse: Otacílio, aqui na Fundação você precisa mudar um pouco. Aqui é diferente do IMES. O pessoal aqui é mais politizado. Realmente, eu encontrei na Fundação uma pluralidade de pensamentos. Pensamentos, no plano político, de esquerda, de extrema esquerda, de direita, pensamentos comunistas, convergências socialistas e eu inicialmente tive um impacto muito forte, mas não demorei muito em me adaptar, até que eu estou convencido que o modelo mais aberto possibilita um crescimento maior das idéias. Isso eu tive na Fundação. Esse crescimento, no sentido bom, eu devo ao IMES, mas se esse entendimento se deu, se desenvolveu e também se ampliou, eu devo também à minha vida na Fundação Santo André, porque lá nós tivemos a oportunidade de conviver com essa diversidade, essa pluralidade de pensamentos, o que também foi muito bom para o meu aprendizado.
Pergunta: Foi nesse momento em que você entrou no curso de direito?
Resposta:
Eu saí daqui quase terminando o curso de direito e cheguei a terminar lá. Eu estava na metade do curso.
Pergunta: Você optou por direito por quê?
Resposta:
Eu sempre quis fazer direito ou jornalismo. A minha inspiração pelo curso de direito é que eu sempre fui uma pessoa voltada aos acontecimentos. As audiências, os tribunais do júri que aconteciam na cidade, eu estava presente a todos e sempre fui voltado, sempre admirei a palavra, o falar das pessoas sempre me causou interesse, e isso causou em mim, eu conheci a vida da minha cidade, a ponto de chegar em casa e dar notícia de tudo que acontecia a minha mãe, que era uma senhora bem simples. O repórter já chegou. Eu realmente detinha a informação de todos os acontecimentos, bons e ruins, da minha cidade, e isso a par da inspiração que fui tendo. Tive uma experiência numa rádio local. Não era rádio, era um pequeno serviço de transmissão, onde trabalhei como locutor, lá em Cachoeirinha. Essas coisas concorreram para isso. Na Fundação fiquei treze anos, inicialmente nove anos como secretário da faculdade de filosofia, de 1980 a 1989, e de 1989 a 1993, fiquei como superintendente da Fundação Santo André.
Pergunta: Esse amor pela palavra também levou você a uma outra atividade, que é o ministério. Conte como foi esse caminho.
Resposta:
O ministério bíblico. Eu sempre fui católico apostólico romano, mas não somente católico, mas católico praticante, até pelo fato de ter sido coroinha em Cachoeirinha. Trabalhei com o Padre Josué Neves. Mas vindo para São Caetano eu tive uma nova experiência e passei a freqüentar a igreja evangélica. Eu confesso que foi uma mudança que não sei explicar, a não ser dizer que foi uma nova experiência no plano espiritual, onde eu fui convencido, não por pessoas, mas, pelo que se diz popularmente, por uma força sobrenatural que é Deus, é Jesus Cristo. Eu passei a freqüentar a igreja evangélica, me convertendo ao evangelho na forma apregoada pela igreja evangélica e lá tive uma carreira maravilhosa. Comecei como membro da igreja e assumi, até o dia de hoje, todas as etapas hierárquicas da igreja. Na igreja há uma hierarquia, que começa como cooperador, diácono, presbítero, evangelista, pastor e pastor presidente. Eu assumi, ou conquistei, todas essas posições, fruto de um interesse meu, até porque sou evangélico por convicção. Não tenho nenhum interesse pelas coisas da igreja, senão as coisas espirituais. Estou na mesma igreja há 33 anos. Essa igreja só teve dois presidentes, um que faleceu e o segundo sou eu, que o sucedi. À parte da igreja tenho uma atividade na advocacia, sou assessor jurídico da convenção estadual e da convenção nacional da Assembléia de Deus.
Pergunta: Voltando aos anos 70, você se lembra do episódio da estátua de São Pedro?
Resposta:
Lembro que ela estaria vindo por intermédio da Prefeitura e na época, nem sei se é verdadeira a história, mas havia um boato que não se tinha um local para deixar essa estátua. Mas quero deixar claro que eu não sei se isso é verdadeiro. Havia isso, que não se tinha onde deixar a estátua, então vamos deixar lá no IMES. Não conheço maiores histórias sobre a estátua.
Pergunta: Mas você participou da chegada dela?
Resposta:
Não. Até confesso que não tenho informações mais próximas, mais detalhadas da instalação.
Pergunta: E o prédio do IMES, como era?
Resposta:
Na verdade só tinha um prédio. Confesso que não lembro se é o Prédio A ou B, nunca guardei.
Pergunta: O Prédio B.
Resposta:
Não me lembro o nome. Só havia um prédio, com instalações um tanto quanto diferenciadas das de hoje porque o prédio, à medida que o alunato foi crescendo, ele foi remodelado. Os corredores diminuíram porque as salas precisavam ser aumentadas em razão do volume de alunos, que aos poucos foi crescendo.
Pergunta: Nesse período o vestibular passou a ser com aquela cartelinha. Você como secretário passava por isso?
Resposta:
Não. Esse já é um período um pouco mais à frente.
Pergunta: Estruturalmente esse Prédio B servia aos cursos e a outras atividades. No subsolo do IMES funcionava o quê?
Resposta:
Funcionava um centro de processamento de dados da Prefeitura, era o Cemps. Era um departamento da Prefeitura que funcionou lá por muito tempo. Ali abrigava concomitantemente o IMES e esse departamento da Prefeitura, que cuidava da parte da escrituração, pela informática do IMES, que na época também prestava serviços a outras prefeituras. Tinha uns 20 funcionários.
Pergunta: Você se lembra do Diretório Acadêmico XIV de Outubro?
Resposta:
Aliás tenho uma história do diretório do ano de 1976, onde havia um cuidado maior por parte das autoridades sobre os movimentos estudantis e no 1º de Maio de 1976 o diretório preparou um jornalzinho trazendo aquelas notícias estudantis, porque na época o calor das discussões acadêmicas já era perceptível de uma forma um pouco mais avançada. Já não era um período de tanta timidez acadêmica. Parece que as coisas que estavam lá dentro dos alunos começaram a aflorar. E houve a vinda do pessoal do DOPS na instituição, ainda que de maneira bem escondida. Mas o diretório acadêmico, antes disso, desenvolveu atividades muito importantes. Era um centro acadêmico que não se preocupava somente com o desenvolvimento das atividades acadêmicas, mas também já começava a se preocupar com a atividade profissional dos alunos. Eu me recordo que havia um departamento de relações industriais, que tinha uma atividade muito viva. Havia um grande interesse por parte do pessoal do diretório em alocar os alunos nas empresas. Eles desenvolviam uma atividade bem diferente da de hoje. Era realmente uma atividade acadêmica e que promovia excursões, shows de música. O diretório acadêmico sempre teve importantes atividades, sempre desenvolveu atividades muito importantes dentro do IMES.
Pergunta: Você se lembra quem era o presidente do diretório acadêmico nesse período, como era feita essa eleição e como eram as verbas do diretório?
Resposta:
Eu me lembro que teve o presidente Ângelo Marchetti, o Leandro, a Vilma, mas não me recordo de todos. Mas as eleições eram bem politizadas. Era uma disputa muito acentuada. As verbas, da minha lembrança, o IMES destinava pequenas verbas para o diretório, mas havia o pagamento, no ato da matrícula, de uma taxa destinada à anuidade do diretório acadêmico.
Pergunta: Quem cobrava a taxa era o IMES e ele administrava essa verba para o diretório?
Resposta:
Não me recordo exatamente, mas me parece que o dinheiro era arrecadado pelo IMES. Mas não tenho uma lembrança com maior precisão.
Pergunta: Esse Prédio B tinha livraria, lanchonete? Como era a estrutura?
Resposta:
Tinha uma livraria, do Belotti, que aliás foi aluno do IMES, uma pessoa muito zelosa, muito interessada e voltada para o ensino. Ele era, além de aluno, um conselheiro de todos. Aliás, diga-se, sempre reconhecida pelo IMES essa disposição dele. Era uma pessoa que praticamente obrigava que os alunos lessem. Havia também uma cantina, do Osvaldo, que era uma pessoa que tinha uma identidade muito acentuada junto aos alunos. A gente vivia mais a época. Evidente que as coisas mudaram, mudaram as formas de gestão, mas o IMES de ontem era bem diferente do IMES de hoje. Talvez a própria necessidade, hoje até entendida como a globalização das coisas, que deve ter concorrido para isso, mas se vê hoje um IMES totalmente diferente. Diria para melhor, claro, mas em termos de satisfação de vida, o IMES de ontem eu acho que era melhor que o IMES de hoje.
Pergunta: Que professores você se lembra desse período, que eram professores?
Resposta:
Eu me lembro do professor Fernando Contro, professor Celso Sebastião de Souza, professor Alfonso Torlone, professor Luiz Oziris da Silva, professor Orestes Gonçalves, professor Antônio Florêncio de Lima Pinheiro, professor Flávio de Braga, professora Neide Lopes, professor Moacir a partir de 1973, professor Garbelotto desde os primeiros dias do IMES, professor André Rubens Didone, professor Laércio, que já veio depois, professor Marco Antônio, que veio primeiro como aluno e depois passou a gerir a instituição, professor Laurito, professor Cláudio Dallanese, professor Emédio.
Pergunta: Você se lembra do Paulão, da Atlética?
Resposta:
Lembro. Ele fazia jus à estrutura corpórea dele. Era Paulão porque ele realmente era grande, mas era uma pessoa maravilhosa e querida por toda comunidade acadêmica e também pelos gestores da instituição. O Paulo sempre foi um garoto bem recebido pelo IMES em todos os segmentos. Gozava da admiração do alunato.
Pergunta: Ele fazia a ponte em que aspecto?
Resposta:
O Paulão fazia um trabalho muito político. À medida que ele agitava, também arrefecia, jogava água fria e acalmava os ânimos entre os alunos e a direção da escola. Ele era reconhecido e isso funcionava muito bem.
Pergunta: Ele atuava no esporte?
Resposta:
Sim. Atuava na famosa Atlética, mas ele fazia um trabalho muito interessante.
Pergunta: Era estudioso?
Resposta:
Era um aluno, me perdoem, não era dos mais dedicados, mas era, acima de tudo, uma pessoa muito boa.
Pergunta: Ele organizava os campeonatos?
Resposta:
Organizava.
Pergunta: O IMES ganhou muitos troféus?
Resposta:
Ganhou. O IMES deve ter um local, não sei como estão essas coisas, mas o diretório deve ter armazenado essas lembranças. Deve ter várias prateleiras para armazenar esses troféus, até porque o pessoal do IMES sempre foi um pessoal aguerrido e interessado e ele sempre via as coisas com bastante seriedade.
Pergunta: Nós estamos chegando ao fim, mas antes gostaria que você falasse sobre a sua volta ao IMES, como professor. E depois pediria para o senhor deixar uma mensagem final registrada.
Resposta:
A minha volta ao IMES foi orientada pela minha saída da Fundação Santo André. Eu saí da Fundação em março de 1993 e fiquei apenas advogando na comarca e nas comarcas contíguas de São Caetano, e em 1998 eu tomei conhecimento, através de publicação em jornal do edital, e prestei concurso aqui, em função da criação do curso de direito. Prestei o concurso para a disciplina de direito civil e instituições de direito público e privado. Tive a felicidade de obter o primeiro lugar em direito civil, acontecimento que muito me envaideceu, até porque eu sempre reconheci, não sobre o Otacílio em si, mas sobre uma pessoa. O fato de você ter ingressado numa instituição no cargo mais simples que existia, que é o cargo de vigia e depois você se vê na condição de professor dessa instituição, acho isso muito gratificante para qualquer pessoa, e acho isso um grande mérito de qualquer pessoa que tenha passado por isso. Circunstancialmente eu sou uma delas e eu admiro isso em mim mesmo e admiro isso em outras pessoas. Estou aqui desde 1998, não sei até quando, mas enquanto for possível estarmos por aqui, aqui permaneceremos tentando fazer aquilo que for melhor, principalmente para a instituição e para os alunos da instituição. Se tivermos de hierarquizar, diria, pela ordem, fazer o melhor para os alunos. Claro que esse melhor vem em decorrência de um trabalho com a instituição, que é a geradora de todos esses acontecimentos. Mas quem toca o barco efetivamente são os alunos e sem aluno não há escola. Então, me sinto realmente alegre por essa trajetória, por esse caminho que percorri e não sei até onde isso vai. Nessa oportunidade quero agradecer pela lembrança à instituição pelos seus órgãos, que teve pela minha pessoa. Eu me sinto muito gratificado por isso. Eu me alegro pela minha vida, até porque eu sei que a minha vida sempre foi pautada por interesses, interesses desprovidos de quaisquer outras razões senão acadêmica. Essa coisa acadêmica sempre ferveu dentro de mim e faço o que é possível fazer. Quero registrar meu agradecimento a todos vocês e quero dizer que continuo à disposição do IMES.